à Professora Doutora Elvira Fortunato — Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior,
O atual contexto pandémico tem vindo a realçar, diariamente, a relevância da ciência no panorama nacional, europeu e mundial. Os investigadores da ciência, trabalhadores profissionais de saúde dos laboratórios: clínico, genética humana e de embriologia/reprodução humana, entre muitos outros agentes de combate à doença e aumento de qualidade de vida, lidam sistematicamente com problemas de saúde pública, por vezes não tão mediáticos como a COVID-19. Como tal, é premente e fulcral conferir a estes grupos condições de trabalho dignas e não precárias. É necessário pensar em soluções a longo prazo que não se limitem a colmatar falhas de décadas de negligência em períodos de evidente necessidade.
Uma comunidade científica devidamente valorizada potencia não só a resposta ágil a situações de emergência mas também a possibilidade de prevenção das mesmas. O investimento na ciência é proporcional ao investimento no desenvolvimento social, tecnológico e económico. Na descoberta de soluções reside a chave para antever problemas, lidar com os mesmos da forma menos custosa e promover o pioneirismo que, por sua vez, traz benefícios a quem chega primeiro aos confins das áreas mais remotas.
No motor de desenvolvimento que é a ciência, as pessoas são a principal força motriz. Desta forma, uma comunidade científica valorizada e nutrida com condições de trabalho e vida estáveis é central para que Portugal se possa manter um país relevante nos contextos sociais, económicos e políticos. Presentemente, o enquadramento de profunda indefinição e instabilidade da carreira científica força a maioria dos investigadores a abdicar do direito à reforma digna, ao acesso ao subsídio de desemprego, a adiar indefinidamente a constituição de família, bem como a postergar ou descartar realizações pessoais comuns a qualquer cidadão. Estas concessões não deveriam ser impostas a quem promove uma sociedade desenvolvida, inovadora e livre.
A Associação Nacional de Bioquímicos (ANBIOQ) vem por este meio afirmar a sua missão de defesa dos direitos dos seus profissionais, nomeadamente, os investigadores da ciência. Exposto o supramencionado, a ANBIOQ visa apresentar propostas emergentes dos sócios, discutidas e aprovadas em sede de Assembleia Geral e convergentes com os problemas identificados pelos resultados do inquérito realizado pela ANBIOQ [1] em agosto de 2021. Estas propostas têm como objetivo central a valorização da ciência, por intermédio dos seus profissionais. Assim, vimos enumerar seis problemas que detetamos no sistema científico nacional, bem como apresentar propostas de resolução para os mesmos:
Problema | Solução Proposta |
O número de instituições que cumpriram as metas de contratualização ao abrigo do Decreto-Lei n.º 57/2016 (doravante referido como DL57) é ainda muito reduzido. | Criação de metas de contratação anuais, garantindo que o DL57 não se resumirá à tentativa de compleição da sua norma transitória. |
O financiamento das instituições por parte do Estado não foi proporcional às metas estabelecidas no DL57. Este pressupunha que parte do ónus da contratação de novos profissionais fosse relegado para as instituições do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN), muitas delas subfinanciadas. | O financiamento do SCTN estabelecido no Orçamento do Estado (OE) deverá garantir, entre outros, o cumprimento dos pressupostos do DL57. |
O valor fixado das bolsas de grau de licenciado ou superior não compreende o Seguro Social Voluntário (SSV). Nos casos em que as instituições financiadoras pagam o valor associado, este pagamento passa por diversos passos burocráticos que sobrecarregam desnecessariamente os detentores de bolsas de grau de licenciado ou superior. | Os detentores de bolsas de grau de licenciado ou superior devem ser contemplados com um acréscimo correspondente a descontos para o préstimo do SSV. Este valor deverá ser automaticamente alocado para o SSV correspondente, sem exigir a intervenção dos detentores das bolsas supracitadas. A esta proposta devem excluir-se os casos em que o candidato expresse a sua intenção de não inscrição. |
O SSV para bolsas de grau de licenciado ou superior não é contabilizado para a carreira contributiva (anos de descontos para a reforma). | O SSV para bolsas de grau de licenciado ou superior deve passar a ser considerado para a carreira contributiva. |
Apesar do cariz de subsídio mensal de manutenção, o valor das bolsas de grau licenciado ou superior não foi atualizado entre 2002 e 2018, invalidando a manutenção do bolseiro perante alterações do paradigma económico (ex. aumento da inflação). Posteriores alterações não introduziram qualquer perspetiva de regularidade de atualizações futuras. | O valor das bolsas de grau licenciado ou superior deve ser atualizado anualmente em função de indicadores económicos, tal como aprovado no Orçamento de Estado 2019. |
Os doutorados têm dificuldade em transitar do tecido académico para o tecido empresarial. | Criar benefícios fiscais para empresas que empreguem doutorados (redução de pagamento de IRS/segurança social sobre o salário desse empregado). |
As seis propostas selecionadas convergem com o discutido e aprovado em sede de Assembleia Geral da ANBIOQ, adicionalmente, são substanciadas pelo inquérito realizado e divulgado durante o mês de maio de 2021. Dos 300 investigadores da ciência inquiridos, 94,6% afirmaram que o emprego científico em Portugal não é valorizado, face a outros países. Ainda, 70% dos investigadores revelaram sentir-se numa situação muito precária. Relativamente à qualidade de vida, 53,5% dos inquiridos considera estar numa situação significativamente mais desfavorável do que a maior parte dos empregos financiados por fundos públicos. Quando considerando a duração e estabilidade da situação de trabalho, este número sobe para 70%. Este documento pode ser consultado na íntegra [1], sendo que versões derivadas do mesmo foram publicadas por fontes noticiosas locais e nacionais nas quais se incluem os jornais Público e Observador.
Este documento marca o ponto no tempo em que os problemas supracitados se tornam de central relevância para a ANBIOQ, quer pela validação dos seus sócios, quer pela perceção da comunidade científica. Com vista a endereçá-los e fazer parte de potenciais soluções, os representantes da ANBIOQ mostram-se disponíveis para reunir com a Professora Doutora Elvira Fortunato — Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, agente capaz de mudança neste sentido. Adicionalmente, disponibilizam-se para a discussão de outras soluções pertinentes à atribuição de condições justas, dignas e promotoras do emprego científico em Portugal e dos seus principais motores, os investigadores da ciência.
O Presidente da Direção da ANBIOQ
Nuno Gonçalo Pires Chicória